É provável que já tenhas ouvido falar sobre a Engenharia de Multimédia, mas o que fazem exatamente estes profissionais? Bom, na verdade um pouco de tudo. Podem trabalhar no desenvolvimento de websites e a sua manutenção, na produção de conteúdos, na animação gráfica 2D e 3D, no desenvolvimento de aplicações para dispositivos móveis e muito mais.
Neste artigo estivemos à conversa com o Bruno Gameiro que nos explicou como é o seu dia-a-dia, partilhando algumas dicas essenciais para todos os profissionais que trabalham ou aspiram a integrar projetos nesta área.
Podes contar-nos um pouco sobre ti e o teu percurso académico/profissional?
Licenciei-me em Novas Tecnologias da Comunicação e depois fiz o Mestrado em Comunicação e Multimédia. Tanto a licenciatura como o mestrado são cursos muito abrangentes e daí o meu percurso profissional também estar a ser abrangente.
A licenciatura forma-nos inicialmente para a parte de Web, ou seja, criação de websites, implementação de aplicações maioritariamente móveis, e algumas linguagens de programação. Temas muito superficiais, é só mesmo o básico. Depois temos também a preparação para a parte de captação e edição de imagem estática e imagem dinâmica. A imagem dinâmica, que é o vídeo, tem sempre a parte de áudio também.
Depois, o meu mestrado tem a vertente de multimédia interativa e de audiovisual digital. Eu, apesar de ter-me focado mais na vertente de multimédia interativa (parte de implementação de websites e das aplicações), neste momento estou a trabalhar com a vertente de audiovisual que se foca mais no design de vídeo e de imagem.
Este curso dava ainda para a área de UI/UX e para programador backend ou frontend e até web design.
O que te levou a escolher a área de Engenharia de Multimédia?
Primeiro por ser abrangente, depois porque eu sempre gostei de design e como qualquer jovem, gostava de computadores e de tecnologia.
E como é que foi a transição para o mercado de trabalho?
Aconteceu naturalmente. Eu fiz a minha dissertação já em contexto de trabalho, na parte de programação. Estive um ano a estagiar e no final podia continuar em programação, mas eu perguntei se havia vagas para a parte de web design e como havia optei por mudar, porque era realmente aquilo que eu gostava.
Nos três primeiros anos de trabalho tive oportunidade de experimentar todas as vertentes do meu curso. No primeiro ano programação, no segundo ano UI/UX e no terceiro ano até hoje a parte de vídeo e imagem.
Quais são as principais responsabilidades de um Engenheiro de Multimédia?
De modo geral e estando eu numa equipa transversal, é estar apto a conseguir responder a qualquer pedido, ou seja, imaginemos que é preciso atualizar o website institucional eu vou fazê-lo. Se é preciso fazer um vídeo promocional para um produto, eu tenho de o ir gravar (se se tratar de um produto físico), de editar esse vídeo e de o preparar para um cliente. Se for preciso fazer, por exemplo, um vídeo para explicar o que é um conceito eu posso ter de o fazer ao jeito de um infográfico mais dinâmico e para isso tenho de estar apto a desenhar e a pensar como é que um desenho pode passar a ideia que o cliente quer transmitir.
Que ferramentas e tecnologias utilizas com mais frequência no teu trabalho?
Estando mais na parte gráfica, o que gosto mais é a Adobe Creative Suite, porque todas [as aplicações] funcionam em conjunto, ou seja, consigo utilizar diretamente um ficheiro que vem do Illustrator no After Effects ou usar imagens tratadas em Photoshop diretamente no After Effects, no Premier ou em qualquer ferramenta. Consigo ter tudo bem ligado e no mesmo ecossistema.
Depois, gosto destas porque são super intuitivas e estão em constante evolução. Mesmo que não exista uma ferramenta agora, quando a comunidade que utiliza estas ferramentas fala que algo é preciso, já se sabe que no próximo ano estará disponível quase de certeza. Para além disso, existe muito material de apoio. Se eu não souber fazer alguma coisa, existe sempre alguém que já fez um tutorial de 3 minutos. Se calhar com outra ferramenta eu iria demorar muito mais tempo para conseguir usar.
Para design 3D já não acho que a Adobe seja a melhor. Acho que existem ferramentas como o Blender que nos ajudam tanto na parte de modelação como na parte da animação. Aquilo que é desenhado em 3D depois é para animar e esta, na minha opinião, é um ferramenta bastante completa e que responde às necessidades.
Como ultrapassas os obstáculos no teu trabalho e que estratégias utilizas para te manteres atualizado?
Sigo pessoas de referência na área e as redes sociais das marcas que mais utilizo. Quanto a marcas sigo a página da Adobe porque sempre que há um lançamento novo, uma feature nova ou uma atualização eles partilham.
No Youtube não sigo tanto marcas, mas pessoas que têm tutoriais, que resolvem problemas e que se focam numa tarefa. Deixo aqui um resumo de alguns canais que considero interessantes:
Canais de After Effects:
- Video Copilot: tutoriais sobre efeitos visuais (VFX), motion graphics, etc;
- Evan Abrams: focado em motion design;
- School of Motion: canal educativo que abrange não apenas tutoriais de After Effects, mas também fundamentos de animação e design.
Criação de Vlogs:
- Peter McKinnon: dicas de filmagem, edição e insights sobre criação de conteúdo;
- Matti Haapoja: tutoriais sobre vlogs, edição e filmagem. Combinando dicas técnicas e insights criativos;
- Casey Neistat: inspiração e dicas sobre storytelling e estilo de filmagem.
Cinematografia:
- Film Riot: tutoriais sobre técnicas de cinematografia, VFX, direção e muito mais, de forma acessível;
- Cinecom.net: dicas de filmagem, edição e tutoriais de software, incluindo After Effects e Premiere Pro;
- Cinematography Database: canal mais técnico e aprofundado de cinematografia.
Uma coisa que também é importante na minha área é seguir pessoas que fazem conteúdo. Não é importante saber só que ferramentas é que são utilizadas e as atualizações e assim, mas é preciso também saber as tendências. Não se pode criar um conteúdo que parece que foi feito há 20 anos atrás para ser consumido hoje, ninguém o vai fazer.
Relativamente aos obstáculos, eu acho que os desafios que tenho normalmente são mesmo relacionados com situações em que vejo alguma coisa num vídeo de alguém e quero replicar isso nos meus vídeos. Um desafio que tenho é descobrir como é que aquilo é feito. Como é que vou escrever no Google para ir diretamente a isto [que procuro]? Perco ali algum tempo até encontrar, por exemplo, o nome da transição ou do efeito. Depois de saber isto a dificuldade é seguir o tutorial, implementar e, claro, às vezes ajustar coisas, pois o que funciona muito bem para uma imagem pode não funcionar noutra. Aí temos de dar a volta e adaptar.
Podes partilhar connosco um projeto que tenhas adorado desenvolver?
Os meus projetos são sempre diferentes, mas a base é sempre igual. Para mim o que mais gosto e é mais desafiante é a parte vetorial, ou seja, é a parte de termos um desenho e pô-lo em movimento ou termos umas letras e pô-las a serem desenhadas.
Se eu tiver de desenhar um “A” é super fácil, mas desenhar uma palavra e ser fluído e fazer sentido é um bocadinho mais desafiante. Acho que é isso que gosto mais e é uma parte do projeto que acontece muitas vezes, principalmente nos infográficos, onde posso ter uma seta que se vai transformar numa letra ou num objeto. Esta parte do desenho baseia-se muito no Illustrator e na criação de um storyboard.
Quais são as fases típicas de desenvolvimento dos projetos?
Precisamos sempre de saber em que fase é que o cliente tem o produto. Se este produto é passível de ser mostrado ou se queremos fazer publicidade sem o mostrar porque ainda está sob sigilo. Quando o cliente partilha estas informações, é um exemplo de cliente ideal, mas depois temos alguns que nos dizem apenas “preciso de um vídeo promocional para o programa XPTO”. Nestes casos temos de ir à procura de tudo e mais alguma coisa, fazer e no final ele [o cliente] vai dizer se gosta ou não. Às vezes diz que não era bem assim que queria e temos de voltar e aí sim, fazer o que já devíamos ter feito no início. Isto no fundo é a primeira fase.
As fases que advém daqui dependem do projeto. Pode passar por desenho, fotografia, vídeo, ir falar com pessoas, fazer o storyboard… Depois de termos tudo, perguntamos: o que é que queremos mostrar daqui? Como é que o queremos fazer? Por fim, é necessário implementar o artefacto final e apresentar ao cliente, enviar e pedir feedback.
Se eles gostarem está feito, entregue, concluído e siga para o próximo. Se não gostarem temos de questionar porque é que não gostam.
Que competências consideras essenciais para quem quer seguir uma carreira em Engenharia de Multimédia?
As competências relacionadas mesmo com a função diria serem: saber trabalhar com as ferramentas que usamos para apresentar o resultado final e acompanhar a sua evolução; estar a par das atualizações e como elas influenciam o nosso trabalho; e perceber se aquela é a melhor ferramenta, porque às vezes uma empresa tem licenças para usar determinadas ferramentas, mas essas podem já não ser a melhor opção. Temos de conseguir chegar à chefia e dizer quando as ferramentas estão ultrapassadas e aconselhar as melhores opções.
Outra competência importante para a área criativa é ir discutindo o processo com outros colegas que podem ter outra visão que pode fazer mais sentido para o projeto em específico. Estar predisposto a ouvir outra opiniões é uma competência fundamental nesta area.
Outra coisa importante é estar aberto às novas tendências e isto vai desde as ferramentas até ao produto final.
Em suma, estar aberto a opiniões de outras pessoas, a inputs da marca do nosso cliente e o seu branding, da marca das ferramentas que usamos e a falar com outras pessoas. Dentro da equipa devemos partilhar impressões com toda a gente.
Como vês a evolução da área de Multimédia nos próximos anos? Achas que vão marcar o futuro da profissão?
Sim. Falando em vídeos, toda a gente já reparou que até há pouco tempo os vídeos consumiam-se na horizontal e a partir de agora consomem-se na vertical. Inclusivamente no Youtube já existem os shorts. Isto é uma tendência recente e muita gente ainda apresenta resistência. Eu vejo pelos conteúdos que algumas marcas publicam no Instagram e não faz sentido nenhum, porque é contra-natura segurar o telemóvel na horizontal.
Acredito também que vão começar a aparecer vídeos interativos. Já existem alguns, mas acredito que vá acontecer mais. Existem até já séries em que posso escolher o que o personagem vai fazer ou qual é o final do filme.
Vão ainda aparecer tipos de conteúdo novos. A realidade aumentada já não é um conceito novo, mas o conteúdo está cada vez melhor e mais avançado (por exemplo no Google Maps). Quanto à realidade virtual acredito que vai demorar mais algum tempo.
Outro tema é a Inteligência Artificial. Já consigo criar um vídeo com uma frase de 5 palavras e com quase tão boa qualidade como se fosse feito por uma pessoa. Posso escrever “quero um gato em cima de uma cadeira” e vai aparecer efetivamente um gato a fazer tudo e mais alguma coisa em cima de uma cadeira. Pode ser uma ajuda, porque por vezes é difícil gravar vídeos de certas coisas. Pode ser grave se os conteúdos gerados forem prejudiciais ou usarem imagens de pessoas reais, no entanto acredito que haja legislação para gerir isso.
Qual é a parte mais gratificante do teu trabalho?
A parte mais gratificante é a satisfação do cliente no final independentemente de quanto tempo demorou o projeto e das reviravoltas que existiram pelo meio.
Tens algum conselho final para os nossos leitores que estão a pensar seguir uma carreira em Engenharia de Multimédia?
Manterem-se sempre atualizados e seguirem referências legítimas. Não é por ter muitos seguidores no Instagram que é uma boa referência, se calhar é porque já existem pessoas ainda melhores que o referenciam ou porque uma marca o fez. Essas sim são boas referências. É isso.
Se também trabalhas nesta área ou gostarias de ter a tua primeira experiência enquanto Multimedia Engineer, explora os nossos projetos aqui. Ouve mais sobre temas como carreira, produtividade, tecnologia, gestão ou liderança no nosso podcast: